COMO ALFABETIZAR COM AS “FAMÍLIAS DAS LETRAS”
Vicente Martins
A troca de fonemas, durante o processo de alfabetização em leitura, é muito freqüente entre as crianças de cinco a sete anos. Leiamos este relato enviado a mim para comentários: “Tenho um enteado de apenas 6 anos; ano passado ele estava no Jardim III, e pediu para o pai dele comprar um caderno para mostrar que ele sabia escrever, e sabia também a família das letras, pois bem escreveu Ba-Be-Bi-Bo-Bu, e achamos lindo, quando foi escrever a família da consoante C, escreveu Ca-Ce-Ci-Co-Cu, e eu expliquei que no meu tempo não era assim, e que a família era apenas Ca-Co-Cu, e como se não bastasse ele disse que a professora havia ensinado assim para sua turma, e ainda a pronuncia do Ce = queijo e a pronuncia do Ci= quilombo, questionamos a escola e para a minha surpresa a escola através de carta devolveu a resposta dizendo que esse episódio era uma simplesmente troca de fonema normal para a idade dele, a resposta não convenceu, pois no final de semana seguinte ao recebimento do fax, que o pai enviou para escola questionando, a crianças escreveu Ka-Ke-Ki-Ko-Ku, sendo a família da Keli e Kilo.”
Diante da posição da escola, solicita-me a responsável pela criança uma opinião sobre o ensino da alfabetização aos seis anos.
São muitas informações sobre alfabetização em leitura inicial e consciência fonológica e farei apenas rápidos comentários pertinentes à situação descrita pela enteada e que revela, de logo, uma preocupação importante no contexto de reforço e acompanhamento escolar.
O primeiro ponto a esclarecer é o seguinte: há uma diferença entre letras e fonemas. Os fonemas são os sons da fala. No plano do ensino da língua, os fonemas são assim classificados: vogais, consoantes e semivogais. As letras, na escrita, representam os fonemas ou os sons da fala. Quase sempre as pessoas, educadores, professores, experientes no magistério, são "leigas", isto é, desconhecem lingüisticamente o processo de alfabetização.
As letras representam os fonemas, como disse, mas não dão conta do número de fonemas. Por isso, algumas letras tem mais de um som, dependendo da posição que se encontram no interior da palavra. Dizemos que há uma correspondência equívoca: as letras não correspondem exatamente os sons da fala e vice-versa. Assim, escrevemos letras, mas os fonemas (vogais, consoantes e semivogais) só escutamos, quando transformamos as letras em fonemas no decorrer da leitura ou soletração.
Os lingüistas e os próprios gramáticos convencionaram o seguinte: quando se trata de letra, minúscula ou maiúscula, é assim a, A, b, B, c, C e uma infinidade de tipos.
Quando queremos nos referir às vogais, consoantes e semivogais representamos entre barras: /b/, dizemos o som "bê", se escrevemos b ou B, dizemos a letra B. Em geral, os professores confundem letras com fonemas e isso causa um dano enorme na formação dos nossos estudantes, especialmente na escrita ortográfica e na leitura inicial, que carece muito desses conhecimentos básicos dos sons da fala e de sua representação na escrita.
Mas vejamos quão curiosa é a origem de termos lingüísticos bem presentes no cotidiano alfabetizador: a palavra vogal, de origem latina, quer dizer "aquilo que vem da voz" e a palavra consoante" aquilo que produz som", portanto, vogais e consoantes têm a ver com os sons que vem da fala ou da voz humana. Vogais, semivogais e consoantes não são letras. As letras, sim, são signos alfabéticos que representam, na escrita, os sons da fala.
A letra C, por exemplo, dependendo do ambiente fonológico pode ter dois sons distintos: se a letra C está diante das letras O, A e U, terá som de /k/, portanto a consoante é /Ka). Olhemos e vereremos que as letras A, O e U representam, respectivamente, na escrita ortográfica, a vogal média /a/ e vogais posteriores /o/ e /u/ (os fonemas são representados, na escrita, entre barras). Se a letra C está diante das letras E e I, que representam (por pura coincidência mesmo) as vogais /e/ e /i/, passa a ter um som de diferente, isto é, a ter som de /s/ (que a gente diz "Sê"). A título de informação, diríamos que na língua temos, pelo menos, 12 sons vocálicos ou vogais e umas 33 sons consonânticos ou consoantes.
Um exemplo curioso pode ser encontrado na palavra quilombo, onde temos duas letras QU que representam a consoante /k/. Esse grupo de letras a gramática chama de dígrafo. Repetindo: dígrafo é assim, duas letras representam um único som quando lemos. Voltando a palavra quilombo, teria esse som: /kilombu/. Por isso, como é importante ensinar quantas letras e fonemas podemos encontrar em uma palavra. Na palavra queijo, pronunciamos assim /keiju/. Na palavra quadro, se lê /kuadro/ assim deixa de ser dígrafo.
Uma leitura no capítulo de fonética, fonologia e ortografia, de qualquer gramática escolar em língua portuguesa, pode ser bastante esclarecedora para pais, responsáveis e os próprios alfabetizadores. Claro, o ideal é que, com ajuda de um profissional de Letras ou de Lingüística,um pedagogo ou psicopedagogo que entenda bem do assunto, possa orientar melhor os professores e a própria escola como um todo sobre o método de leitura mais adequado para seus alunos. Tudo isso, essa preocupação com a aprendizagem do aluno, na verdade, é novidade no plano do discurso pedagógico. A abordagem sobre a leitura inicial é nova no Brasil e há pouco tempo foi introduzida nas universidades brasileiras, especialmente nos cursos de Pedagogia, como uma reflexão importante para o ensino de leitura, a iniciar-se, sistematicamente, aos seis anos de idade quando o aluno já deve ingressar, obrigatoriamente, no ano básico ou inicial do Ensino Fundamental.
Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA. Para a versão final deste artigo, o autor contou com a leitura laboriosa e comentários críticos da professora Roberta Pinto, pedagoga, professora e coordenadora de gestãoe escolar na Rede Estadual de Ensino no Estado do Ceará, em Sobral.
segunda-feira, 28 de maio de 2007
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