Vicente Martins
Tomando como referência para avaliação do sistema de avaliação tradicional os dados do MEC quanto às taxas de repetência, evasão e atraso escolar e posso ainda apresentar dados do SAEB, ENEM e PISA, os resultados são preocupantes: os estudantes brasileiros não dominam habilidades básicas como leitura e escrita.
O Censo escolar 2002 revela que, pelo menos, 7.577.784 alunos estão na faixa etária irregular, isto é, com15 a mais anos de idade. Relatórios recentes do INEP afirmam presenciar uma estabilização no crescimento de ofertas de vagas no Ensino Fundamental, favorecido pelo o impacto dos programas de melhoria do fluxo escolar (ciclos de progresso continuada) e pela injeção de recursos do FUNDEP que, realmente, provocou uma grande expansão nas matrículas.
Repetência como exclusão social - Em 2002, o MEC constatou que a matrícula, em 2002, no Ensino Fundamental regular, foi de cerca de 35 milhões (incluindo todas as faixas etárias. No entanto, a população na faixa etária ideal ou própria, de 7 a 14 anos, era de pouco mais de 27 milhões de crianças. A matrícula está muito acima da população na faixa etária própria em decorrência da repetência e da forma tradicional de avaliação.
Quando analisamos os dados do Sistema de Avaliação da educação básica (SAEB), relativos ao ano de 2001, nos deparamos com 22% alunos da quarta série do ensino fundamental que não desenvolveram habilidades de leitura compatíveis a esse patamar de escolaridade e 37% aprimoraram algumas competências, mas ainda demonstram desempenho em língua portuguesa bem abaixo do desejado. Os dois grupos de estudantes, que totalizam 59% da matrícula do final do primeiro ciclo da educação obrigatória, apresentam níveis de rendimento escolar considerados “crítico” ou “muito crítico”.
O modelo de avaliação escolar vigente no País não apenas reprova mas faz com um número significativo de criança em idade própria não querer estudar, porque não reconhece na escola um espaço para desenvolver de sua capacidade de aprendizagem (assimilar bem os conteúdos) e de sua capacidade de aprender (autonomia intelectual).
Cola como liberdade de aprender - Vejo a cola não como fraude ou ato clandestino do aluno, mas como manifestação ou recurso de liberdade de aprender do aluno e estratégia de recuperação dos alunos de baixo rendimento.
Podemos ver no procedimento da cola um instrumento para assegurar, no verificação do rendimento escolar, um princípio de ensino como preconiza a Constituição Federal, no seu inciso II, do artigo 206 , que enumera, entre os princípios de ensino, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.
Encaro, pois, a cola como uma manifestação de liberdade de aprender do aluno. O mesmo princípio é reafirmado no inciso II, do artigo 3, da Lei 9.394/96 , a chamada Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional(LDB) Como ato de liberdade de aprender, a cola teria, pois, amparo na norma constitucional inviolável, de modo a vir a ser uma prática comum e viável no processo ensino-aprendizagem.
Defino a cola como um direito de o aluno agir, dentro dos limites do regimento escolar e sob a proteção do projeto pedagógico da escola, de modo independente, no decorrer das provas parciais ou globais para atender os fins da educação nacional.
A liberdade discente de colar é, na verdade, o poder reconhecido aos alunos, pelos estabelecimentos de ensino, de só aprenderem aquilo que quiserem e como quiserem. Quando há a liberdade de aprender do aluno e a liberdade de ensinar do professor, podemos falar em liberdade de ensino.
O inciso V, do artigo 12, da LDB , estabelece que os estabelecimento de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, têm a incumbência de prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento!.
A cola, portanto, pode ser um meio para recuperação dos alunos com baixo rendimento escolar, especialmente os educandos com necessidades educacionais especiais que, pelo artigo 4 , da LDB, tem a garantia de atendimento educacional especializado por parte do poder do poder público.
Dentro de uma perspectiva de política educacional, a titulo, por exemplo, de programa de correção de fluxo escolar, a cola pode ser um instrumento poderoso, na verificação do rendimento escolar, como preconizada o item b, inciso V, do artigo 24, da LDB,, para a aceleração de estudos para alunos com atraso escolar, isto é, com desafamem série-idade.
A cola, pois, pode ser vista como forma de estudo de recuperação apara os alunos de baixo rendimento. O item e, inciso V, do artigo 24, da LDB, determina a obrigatoriedade de estudos de recuperação para os casos de alunos de baixo rendimento escolar.
A cola é um procedimento que pode ser normalizado a partir de um acordo de convivência, prescrito seu uso em regimento escolar, não sendo, pois, como um direito imprescritível de aprender do aluno
Direitos imprescritíveis - Apresentamos a seguir um conjunto de diireitos imprescrítiveis do colante assumido:
O direito de não aceitar as estratégias de coerção e de controle dos professores.
O direito de não competir na avaliação escolar, ao longo ou ao final do curso, para garantir a promoção de uma série a outra.
O direito de legitimar sua liberdade de aprender.
O direito de não executar os prodígios de memória.
O direito de colar diante de matéria inadequada à maneira de ver, às experiência e aos objetivos do aprendiz-colante ou do colante-aprendiz.
O direito de colar através de conversas colaborativas antes e durante a aplicação de provas, exercícios, tarefas ou outros meios de observação que tem por fim a verificação de desempenho do aprendizagem, em situações de atribuição de notas.
O direito de colar para enfrentar a pressão dos professores e dos gestores dos estabelecimentos de ensino
O direito de colar para evitar atraso escolar, repetência e evasão escolar.
O direito de colar para desenvolver a capacidade de aprender, mediante leitura compensatória e compartilhada.
O direito de colar por considerar que a escola não é um palco de guerra, mas um processo institucional construtivo de amor, paz, conhecimento e amizade.
A cola como conduta pedagógica
A cola é semelhante aos ritos de uma religião, que parecem absurdos, mas tornam a escola um espaço de liberdade de aprender, e os professores e os alunos em pessoas melhores.
Vejo, assim, a cola na avaliação como parte do processo do desenvolvimento da capacidade de aprender dos meus alunos, descartando sua ritualização ou sacralização.
Dia de prova é dia de aprender. Apenas isso. Tenho transformado o dia da prova em uma experiência ou acadêmica prazerosa, numa situação positiva, seguindo os seguintes passos:
1. Oriento, no primeiro momento, pelos menos, a uma semana antes da avaliação parcial ou global, para os conteúdos e os modelos de questões(múltipla escolha, completamento, discursiva etc) que serão cobrados durante a verificação de rendimento. No dia da prova, destino, pelos menos, 10 minutos antes de sua aplicação, para mais uma vez revisar e permitir em seguida as conversas colaborativas ou as colações prévias para que no decorrer da avaliação o aluno se sinta tranqüilo quanto ao que requeiro do aluno.
2. Durante a avaliação, o aluno cria um clima de tranqüilidade para não contrair o corpo, podendo, livremente, ir ao banheiro ou pegar um material didático para consultas ou anotações feitas durante as aulas expositivas.
3. Há situações em que as provas ou, pelo menos, as questões mais discursivas, são feitas em casa ou em sala de aula, com a orientação do professor, de modo a favorecer uma maior discussão em grupo ou leituras complementares.
4. Tomo a auto-avaliação, inclusive com atribuição e justificação de notas para si mesmo (e quando quer o aluno dar nota para o professor também), de 6 a 10 ( quando a média é 7, por exemplo) , como um recurso de aprendizagem significativo, de modo a evidenciar, para o aluno que enquanto profissional de educação sei o que faço, como faço e para que faço ou porque deixo de fazer alguns procedimentos pedagógicos, de modo a conduzir o aluno para a formação ética, de atitudes e valores e, sobretudo, desenvolver sua autonomia intelectual e pensamento crítico.
5. permito a cola colaborativa ou consentida para assegurar uma avaliação culturalmente justa , que tenta ser tão livre quando possível de preconceitos específicos, culturais ou amarras pedagógicas ou escolares. Levo em conta que o momento da prova, com ou sem cola, é de natureza pedagógica e tem por fim revelar para o professor, em especial, as habilidades e competências que aprendidas e apreeendidas, que vão do fácil ao muito difícil, com limites de tempo o suficiente para também permitir que os alunos respondam as questões de forma tranqüila e sejam promovidas para a série ou semestre seguinte e, no final do curso, sejam concludentes e não excludentes da formação escolar.
Cola: Justiça, pode. Educação, por que não?
Minhas primeiras experiências com novas formas de avaliação de alunos foram realizadas logo quando ingressei, no início dos anos 90, I, por concurso publico de provas e títulos, na rede estadual de ensino, no Ceará, e me deparej com um grande contigente alunos de baixo rendimento escolar, em turmas de quinta série, que é, como sabemos pelos relatórios oficiais do MEC, um dos gargalos do sistema educacional uma vez que concentra altas taxas de repetência e evasão escolar.
A forma de avaliação tradicional, que ocorre na maioria das escolas brasileiras, em regime de seriação e no final do processo ensino-aprendizagem, a chamada avaliação com função somativa, é uma forma perversa de avaliar alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem e das principais causas do fracasso escolar no Brasil.
A este modelo de avaliação somativa, muitas vezes, descarta a função diagnóstica , que visa a companhar o processo de aprendizagem bem a função formativa que é a de aprimorar o processo de ensino-aprendizagem. O que se tem feito no País, mesmo nos exames oficiais, é verificar competências e habilidades dos alunos, com objetivo unicamente de avaliação do rendimento do aluno num curso, para atribuição de notas ou conceitos. Isso é péssimo para a educação.
Quando aluno do Colégio Militar de Fortaleza, durante muitos anos fui à recuperação nos meses de férias para não colar e correr risco de ser expulso do colégio, uma vez que temi, sendo flagrado, ser sumariamente expulso do colégio, mas vi vários colegas, mais espertos , inteligentes e realmente perspicazes, hoje brilhantes no mercado de trabalho, apelaram para cola como expediente de resolução de questões enfadonhas, principalmente para evitar a reprovação, a humilhação na escola, a decepção na família ou exacreção pública.
Hoje, não censuro nem vejo o expediente da cola como uma conduta desviante que precisaria de um corretivo. Sendo assim, fiz uma espécie de conversão de uma conduta discente em uma estratégia docente.
A cola foi introduzida, na minha prática prática educacional, como estratégia de recuperação para os alunos de baixo rendimento assim como o sol, por osmose, interpenetra a carne.
Vejo a cola escola com a mesma naturalidade que um juiz eleitoral vê a cola no dia de eleição. Durante as campanhas de esclarecimento na mídia, sobre o processo eleitoral, os tribunais regionais eleitorais, de todo o Pais, ao serem indagado se o eleitor pode ou não levar cola eleitoral para urna eletrônica, afirmam não poder , e sim, ver, acrescentando que para facilitar o voto, o eleitor deve levar os números dos candidatos anotados em um papel. O que é lícito para a democracia eleitoral porque seria ilícito para a democracia escolar?
Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), de Sobral, Estado do Ceará. E-mail: vicente.martins@uol.com.br
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